quinta-feira, 14 de julho de 2011

A mão que rege o mundo?

Uma característica da contemporaneidade é a falta de limites. Vivemos em uma sociedade sem limites, pródiga em excessos: consumo exagerado de bebidas, drogas, objetos eletrônicos, sexo, festas. Tudo parece normal, sem exceção, pois, é proibido proibir. 



Onde não há anormalidade, onde não há exceção ao normal nem ao excessivo, as relações humanas tornam-se coisificadas e a vida dos homens, não raro, sem sentido e fragmentada. O resultado desta normose são as compulsões, o viver sem limites.

Vivendo numa sociedade sem limites, criam-se filhos sem limites e, cada vez mais, o sentido da autoridade parental desaparece com repercussões negativas na vida das pessoas e na ordem social, pois, um mundo sem limites é um mundo sem valores, onde enganar, ludibriar, agredir, ofender, lesionar ou matar o outro (seja ele quem for), para se dar bem, é normal. 

Em um cenário de abandono afetivo e efetivo dos filhos, de ausência de figuras parentais, de fragilidade psicossocial e de crescente delinquência infanto-juvenil, não é sem sentido que, há tempos, vínhamos assistindo ao fenômeno das portarias judiciais decretando o denominado “toque de recolher” para menores de 18 anos, em comarcas de diversos estados da federação. 

Ao estabelecer tais limitações, em nome da proteção e segurança das crianças e adolescentes, não tenho dúvidas de que os magistrados estão restringindo o direito de ir e vir dos protegidos, mas, também, através desses gestos desesperados, estão tentando restabelecer o “pode” e “não pode” que, no passado, era exercido por intermédio do “pátrio poder” incontestável do chefe da família. 

Que fique claro que essa função paterna não depende do genitor, pois a noção de pai independe do seu operador, independe do pai biológico encarnado, ou seja, a função paterna pode ser exercida pelo pai ou pela mãe por ambos ou por outra pessoa, instituição ou referencia que imponha limite nas famílias nas quais o pai está ausente, pois, para ser pai não precisa ser homem. 

Que não se argumente precipitadamente que tudo isso é reflexo das profundas transformações sofridas pelo modelo tradicional de família composto por pai, mãe e filhos, embora seja evidente que, junto com o surgimento dos novos modelos e arranjos familiares, não raro, observe-se, também, a ausência das figuras parentais que exerçam esse papel regulador, estabelecendo a lei. 

Será que não é hora de reeditarmos uma nova versão do movimento “É Proibido Proibir”, mas em sentido inverso, e pararmos de assistir impassíveis o cerco do absolutismo da permissividade se fechando ao nosso redor? 

Ante uma sociedade normática, em excesso na sua normalidade, sem rédeas para o desejo, impor limites é a receita mais rápida, pois corrigir, educar e orientar requer tempo e dedicação e se os pais não sabem mais o que é ser pai, alguém tem que ocupar esse lugar e encarnar a lei. 

Não obstante a discussão a respeito das portarias em que magistrados das Varas da Infância e da Juventude de diversas cidades brasileiras têm decretado o denominado “toque de recolher” se situe no âmbito da sua constitucionalidade inconstitucionalidade, toda vez que paro para refletir sobre essa questão, me pego pensando, sem mais nem porque, num verso do poema “O que governa o mundo”, onde W. S. Ross nos lembra que: “a mão que embala o berço é a mão que rege o mundo”.
Revista Caro Gestor Por Antonio Jorge Ferreira Melo

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